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Depois de tudo, a gente nem lembra o que é ter um filho prematuro

Eu,mãe: Cecília Torres, 36 anos, designer e mãe de um menino de dois anos

Sempre desejei ser mãe, desde os 20 anos. Adiei o quanto pude. Quando decidi “liberar”, aos 30, tentei por um ano sem sucesso. Como tenho ovários policísticos, o tratamento foi usar anticoncepcional por um tempo até “secar” os ovários.

A notícia de uma gravidez é sempre uma alegria, ainda mais quando é um filho muito desejado. Comigo foi assim: não dei muita bola pro atraso de alguns dias na menstruação. Apesar de estar com o ciclo regular há cinco meses, como já havia tentado engravidar por um ano, achei que fosse apenas um atraso. Viajei nessa semana, bebi, achei que aquele sono incontrolável era apenas fruto do frio de rachar que estava fazendo naquele julho de 2013, em São Paulo.

Uma semana depois, a notícia: estava muito grávida de cinco semanas!

A gravidez transcorreu tranquila até demais, nunca tive um enjoo sequer. Tudo corria perfeito e logo teria o fim que eu desejava: um lindo parto natural hospitalar. Às 33 semanas, eu já tinha meu plano de parto e vinha conversando com a doula há algumas semanas. Tudo ia sair dentro do desejado.

Até que tive o grande tombo: edemas generalizados no rosto e corpo e um pico hipertensivo. Quatro dias depois, eu tinha o resultado de exames laboratoriais em mãos e o diagnóstico: pré-eclâmpsia grave e síndrome HELLP. Precisaria interromper minha gravidez imediatamente.

O crescimento de um bebê, ou seja, um ser geneticamente diferente da mãe, e a presença de um corpo estranho (a placenta) causam uma resposta imunológica do corpo da mãe como forma de proteger o feto. Em alguns casos, esse mecanismo provoca uma liberação de proteínas na circulação sanguínea, provocando essa resposta imunológica, agredindo as paredes dos vasos, causando vasoconstrição e elevação da pressão arterial.

A pré-eclâmpsia é uma doença hipertensiva específica da gravidez, caracterizada por edema, pressão alta e presença de proteína na urina. Se não tratada, pode evoluir para a eclâmpsia e causar a morte da mãe e do bebê. Independente da gravidade dos sintomas, a pré-eclâmpsia sempre é um risco potencial para mãe e bebê e a solução, em geral, é a interrupção da gravidez.

A Síndrome HELLP (uma sigla em inglês que significa hemólise, elevação das enzimas do fígado e baixa contagem de plaquetas) é uma rara e severa variante da pré-eclâmpsia que requer a imediata interrupção da gravidez, já que evolui muito rapidamente. Interrompida a gravidez, ou seja, retirado o “corpo estranho”, tudo que foi alterado no corpo da mulher vai voltando ao normal em questão de dias.

Meus exames laboratoriais estavam extremamente alterados, eu sentia muita dor na altura do estômago e uma dor excruciante na altura da costela direita (alô, fígado, eu nem sabia que você podia doer!). Senti dor de cabeça, náusea e tive alterações visuais. Só deu tempo de processar a ideia de ter a gravidez interrompida com quase 34 semanas e a incerteza de sobrevivência minha e do bebê.

No dia seguinte, dia 11 de fevereiro de 2014, ao meio dia, meu filho veio ao mundo com 1.680g e 41cm. Um bebê minúsculo e enrugado, que chorou muito e veio pra perto de mim embrulhado num plástico pra não ter hipotermia. Seguimos rapidamente os dois para a UTI, ele para a incubadora e eu para monitoramento de pressão e das transaminases, além da continuidade do sulfato de magnésio na veia, o anti-convulsivo indicado para evitar eclâmpsia.

A única coisa que eu conseguia sentir nos quase três dias de UTI foi medo. Medo de não conseguir sobreviver, medo de meu bebê não estar bem, medo até de dormir, coisa que não consegui por dois dias.

É um medo tão aterrorizador que você apela a todos os deuses possíveis pra que te tirem daquela situação. No entanto, nunca tive tanta fé na vida. Nunca fui uma pessoa religiosa, mas acreditei de verdade, com toda certeza que tinha no mundo, que ia sair bem dali.

Uma UTI não é um lugar bacana. Eu nunca havia visitado ninguém numa UTI, então imaginava que, como local de tratamento intensivo, seria um ambiente calmo, reservado, silencioso.

Nenhuma das alternativas anteriores.

É tenso, devassado e barulhento. Pacientes com toda sorte de enfermidades graves, todos juntos num mesmo vão dividido por leitos de portas abertas. Meu leito era dividido com um paciente que teve uma trombose na perna. Apesar de estar separada dele por uma cortina, sabia de tudo que tinha acontecido com ele e nunca vi sequer seu rosto.

Falta um pouco de humanidade, acho.

Fiquei lá por quase três dias. Como as enzimas do fígado ainda estavam baixando, mas ainda estavam altas o suficiente para oferecer risco (meu fígado era, basicamente, uma GELEIA), permaneci internada num quarto. Fiquei internada 11 dias no total e meu bebê por 18 dias. Por conta do corticoide que tomei dois dias antes dele nascer, ele nunca precisou ser entubado nem de reforço de oxigênio na incubadora. Permaneceu na UTI para o banho de luz nos primeiros dias, por conta da icterícia, e basicamente pra ganhar peso.

Quando fui transferida da UTI pro quarto, eu ficava no mesmo andar da UTI neonatal. Mesmo estando longe dele, me confortava saber que estávamos pelo menos no mesmo andar.

Quando recebi alta, fiquei feliz por mim. Mas foi muito triste ir pra casa sem ele. Ao mesmo tempo eu precisava deitar na minha cama e abraçar meus gatos. Foram 11 dias não-dormindo em cama de hospital, me recuperando de uma cirurgia necessária porém totalmente não desejada. Eu precisava cuidar do meu juízo porque agora tinha um pequeno pedacinho de gente dependente de mim.

Na semana que se seguiu à minha alta, eu passava o dia no hospital tentando tirar leite (tarefa hercúlea e infrutífera). Alguns dias depois, meu filho já estava com quase 36 semanas e já poderia vir para o meu peito, aprender a mamar.

Sempre achei que mamar fosse um ato instintivo, que toda criança nasce sabendo. Aparentemente não. O peito não é a única interface do mundo que não precisa de aprendizado. Muitos bebês têm a pega errada e isso acaba causado o pior dos desconfortos na mãe que amamenta: as rachaduras nos seios.

No sábado de carnaval, dia 1 de março, recebemos a grande notícia: a alta da UTI neo. Meu menino seguiu pra um apartamento na maternidade. Ficamos eu, ele e o pai morando nesse quarto de hospital por oito dias, vivendo na prática o que é ter um bebê recém nascido acordando de hora em hora chorando, com fome.

Depois de passado tudo isso, a gente nem lembra o que é ter um filho prematuro, o que é ficar em UTI, o que é achar que vai morrer.

Depois que seu filho cresce saudável e começa a dar tanto trabalho com dois anos de idade, nem passa pela sua cabeça o sufoco que foi seu nascimento e primeiros 28 dias.

Mas… se eu penso em ter outro filho? No momento, não. Eu sei que essa deve ser a resposta comum para uma mulher que passou por um trauma tão grande numa gestação, mas vamos para a realidade: a probabilidade de ter tudo novamente é alta, cerca de 19 a 27% em cada gestação.

Não há prevenção específica para pré-eclâmpsia e HELLP, já que são doenças ainda sem explicação na medicina. A única prevenção é um pré-natal criterioso, estar atenta a qualquer sintoma anormal na gravidez e a cura é a identificação precoce da doença e a interrupção da gravidez.

Ou seja: uma próxima gestação precisa ser mais do que planejada. Ela precisa ser MUITO desejada, sabendo dos riscos que irei correr. É difícil decidir por uma gestação de alto risco desde a sua concepção. Então, se eu quero ter outro filho é uma questão bem distinta de “eu quero encarar uma gravidez de risco?”